No meio de uma agricultura dominada pela biotecnologia e uso de venenos, os guardiões e guardiãs de sementes crioulas as usam como símbolo de resistência e luta pela agroecologia no semiárido potiguar.
Hecléia Machado | Assessoria de Comunicação do Seapac
Natal | Rio Grande do Norte
Cada vez mais, o Brasil tem se mostrado engajado na criação de uma agricultura que vai na contramão da preservação do meio ambiente e da saúde humana. Para se ter uma ideia, só no ano passado foram liberadas para uso cerca de 652 novas variações de agrotóxicos (a maioria já com uso proibido nos EUA e União Europeia), o maior número já registrado pelo Ministério da Agricultura até o momento.
Paralelo ao aumento do uso de venenos, o abuso de técnicas envolvendo biotecnologia, isto é, a modificação genética de sementes, também ameaçam a saúde humana e a esperança de uma agricultura pautada nos princípios agroecológicos. Segundo dados da Embrapa, a prática já está incorporada à produção nacional, se fazendo presente em 92% das lavouras de soja, 90% das plantações de milho e 47% das áreas cultivadas de algodão.
Essa mudança no modelo de agricultura foi chamada de “revolução verde”, marcada pela substituição das sementes comuns por sementes geneticamente modificadas conhecidas como transgênicas, que normalmente são produzidas por empresas privadas. Nesse processo de substituição, o pacote completo veio junto, com elementos como: fertilizantes sintéticos, pesticidas e agrotóxicos. Essas novas sementes foram conservadas, melhoradas e multiplicadas entre os agricultores.
As sementes modificadas se tornam mais fortes que as sementes naturais, ficando mais fáceis de plantar, mais resistentes a pragas e mudanças climáticas. O problema, é que essas vantagens só são realmente positivas para os grandes nomes do agronegócio, que encontraram no abuso de mudanças genéticas uma forma de otimizar o lucro de suas plantações.
O que para muitos pode ser visto como avanço tecnológico, na verdade é sinônimo de retrocesso ambiental. O motivo é que, quanto maior a incidência de alteração genética nas sementes, maior as chances dos frutos crescerem modificados e com potencial para virarem causadores de doenças (como câncer, insuficiência respiratória, etc.) além disso, a prática ainda limita a variedade dos alimentos que o consumidor pode comprar com facilidade.
Sementes Crioulas
Nesse cenário criado pelo agronegócio e o capitalismo “verde”, os alimentos são tratados como mercadoria ao invés de fontes de nutrientes, os agricultores familiares têm reagido através das sementes crioulas. O termo é usado para falar de sementes que estão a gerações na mesma família, normalmente sendo usadas para agricultura de subsistência.
“Quantas famílias tem alguém doente com câncer? Isso a gente logo vê que é por causa da semente transgênica, que fica até com a cor diferente depois de tanto veneno”, diz Lindomar Cavalcanti, Dona Linda, guardiã do banco de sementes de Catolé desde 2017, quando parou de aceitar plantar sementes transgênicas para criar uma rede de agricultores familiares que plantam apenas as sementes crioulas.
O esforço da guardiã para articular a troca de sementes entre sua comunidade é essencial para que não haja contaminação no cultivo, pois as sementes transgênicas podem migrar entre áreas e plantios de sementes crioulas pela ação do vento, da água e até mesmo por meio da ação de polinizadores, como abelhas, vespas e moscas, que podem deslocar o pólen de plantas geneticamente alteradas para longas distâncias.
Graças ao risco de contaminação, a articulação para que todas as famílias de cada comunidade plantem sementes crioulas é essencial. Por isso, o Seapac tem trabalhado para articular a criação de bancos e casas de sementes crioulas, que são centros maiores de distribuição e troca de sementes, e de “estantes silo”, o nome que damos para espaços reservados para o armazenamento e distribuição das sementes em menor escala.
Quintais Agroecológicos
Após saber mais sobre as sementes transgênicas e crioulas, é normal se questionar sobre como seria possível plantar uma semente sem nenhum tipo de fortalecimento genético nas condições climáticas do semiárido potiguar. A resposta é simples: usando a agroecologia.
A promoção de práticas agrícolas que respeitam o equilíbrio ecológico tem se mostrado eficaz na união de agricultura com semiárido, possibilitando que famílias não apenas plantem para subsistência, mas prosperem a ponto de poderem comercializar parte da produção. Tudo isso é possível graças ao cultivo de culturas resistentes à seca, o tratamento correto do solo com fertilizantes naturais, uso de compostagem e diversificação das culturas.
Alinhadas a essas práticas agroecológicas, as tecnologias sociais desempenham um papel fundamental no cenário de transformação. Projetos como a construção de cisternas para captação de água da chuva, a criação dos bancos de sementes, implementação de projetos para o reuso de águas e a promoção de sistemas agroflorestais (SAF) estão empoderando as comunidades rurais e tornando o semiárido potiguar um lugar mais produtivo.
Por todos esses benefícios, organizações não governamentais como o Seapac estão cada vez mais empenhadas na disseminação dessas práticas sustentáveis e no fornecimento de apoio técnico-pedagógico aos agricultores da região. Com esse incentivo, o caminho para um futuro mais promissor e resiliente vai se abrindo para a agricultura familiar no semiárido, reduzindo a dependência de agrotóxicos e contribuindo para a segurança alimentar e saúde.
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