A vida que impressiona o caatingueiro há nove anos
Marina Layssi - Assessoria de Comunicação | SEAPAC
Natal | Rio Grande do Norte
José Vinícius Alexandre de Medeiros, 23 anos, é um jovem biólogo, formado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Campina Grande, em Patos, Paraíba. Nascido e criado na zona rural de Ouro Branco - cidade do Seridó que carrega esse nome por causa das grandes e antigas plantações de algodão -, o rapaz é filho de Olavo Marcos e Santana Maria. Desde pequeno, José Vinícius desenvolveu uma relação íntima com a natureza, influenciado por sua avó, com quem cuidava diariamente da horta da família e de outros afazeres da agricultura familiar, tendo o privilégio de presenciar as riquezas naturais do Seridó.
Em 2016, quando ganhou seu primeiro celular com uma câmera de qualidade razoável, José começou a explorar a fotografia, capturando imagens dos animais que tinha em casa, como cachorros, gatos e galinhas. E logo, com mais um intuito, teve a iniciativa de tentar mostrar visualmente animais que não precisam ser tão temidos, pois nem são necessariamente violentos. Através das redes sociais, como Instagram (@o.caatingueiro), ele buscou desmistificar o medo que muitos têm das cobras, mostrando que nem todas são perigosas e que o respeito à vida natural é essencial.
FOTO: Acervo pessoal
Ao ingressar na graduação em Ciências Biológicas em 2019, José Vinicius aprimorou seus conhecimentos científicos e aprofundou-se na pesquisa, complementando o saber tradicional que já carregava das práticas de sua família. Além disso, ele se envolveu em atividades de voluntariado, dedicando-se à produção de mudas, ao plantio de árvores, à disseminação de sementes e à documentação fotográfica da Caatinga, o que faz até hoje. Seu objetivo é tornar essas ações acessíveis e compreensíveis para as pessoas, promovendo a conscientização sobre a importância de preservar a fauna, a flora e os elementos únicos desse bioma.
Seu instagram é fonte de pesquisa: tem fotos documentais que são autorais, tem explicação singela e científica de todos grupos de animais da Caatinga, como também de estiagem e seca, de inverno e flora. José, já participou de inventários florestais no Cerrado e na Mata Atlântica, em que fez um levantamento das espécies e qualidade dos recursos e características das florestas. Na Caatinga, isso é diário e incrivelmente poético, pois tem registro lindo, como também sempre vem acompanhado de textos graciosos, que descrevem ao máximo as sensações do lugar, a partir de texto e imagem.
José Vinicius é um defensor da Caatinga e da biodiversidade, fotógrafo, biólogo e utiliza seu conhecimento e paixão pela natureza para educar e inspirar as pessoas a proteger o meio ambiente. Sua jornada reflete um compromisso profundo com a preservação da menor até a maior natureza, e a valorização das tradições culturais de sua região.
Depoimentos de um biólogo caatingueiro:
FOTO: Acervo Pessoal
Animais fotografados
“Pensei, naquele início [2015], que poderia postar fotos de serpentes, pois são animais muito mal interpretados por aqui. Tanto as serpentes que de fato possuem certo risco por causa do veneno da peçonha, como as que são inofensivas. Logo, quando comecei a postar, foi muito difícil. Primeiro, o choque dos meus familiares ao me verem defendendo elas. Com o tempo, conforme ia postando uma foto de cobra verde na minha mão, eles iam se sensibilizando. Hoje, minha família, defende e reconhece as que são inofensivas, sabem o bem que elas fazem ao meio ambiente.”
Preservação da Caatinga
"Nós como seridoenses, já nascemos sabendo que as áreas de serra são os únicos locais bem preservados que tem. Como, quando se escuta comentários do tipo: ‘é um lugar perigoso,de animal selvagem’... Justamente por ser um dos últimos refúgios nativos e selvagens para nossa fauna e espécies de vegetação! Então, essas empresas de energia fotovoltaicas e eólicas, chegam, e ocupam esse tipo de ambiente na biodiversidade da nossa região. Parece que a gente tá deixando que seja destruído os nossos últimos locais que ainda eram preservados, infelizmente.
Foi extremamente rápida a ocupação deles [empresas de energia renovável] aqui no Seridó. Em questão de poucos anos a gente viu o horizonte daqui ser tomado. Ta tomado! O que me assusta é a forma rápida com que acontece. Pois, tem que ter trabalho preliminar, não só com plantas, mas com aves, peixes, répteis e anfíbios. Geralmente eles deixam sempre os invertebrados de lado, o que eu acho errado também, e esses são os mais importantes, pois são os que mantêm os outros grupos. Eu sinto falta de pegarem plantas herbáceas, plantas pequenas, que nascem e morrem todos os anos. Porque se esses estudos forem feitos em época de pouca chuva, essas espécies nunca serão classificadas.
É algo muito novo, a gente não sabe os efeitos que vão acontecer nos próximos anos. Conseguimos prever, por causa dos efeitos atuais, como: as pessoas saindo de seus territórios, por causa de barulho e rachaduras nas casas.
Da mesma maneira com as frutas silvestres, sejam elas grandes ou pequenininhas, todas elas têm importância. Em razão de muitos bichos precisarem que existam essas plantas para se manter no ambiente, nesses ambientes de serras e preservações. Não é como a gente, que tem a escolha de pegar alguma fruta em algum pé que plantamos. Eles precisam que essas frutas estejam ali, e essas espécies, pouco conhecidas, geralmente estão nos topos das serras.
Quando essas espécies só existem nos altos, com vegetação e pedra, e não acaba indo para região mais baixa, é porque tem algo e pode ser a germinação. quando esse ambiente é alterado, não se tem a continuidade da espécie. Então, a gente pensa: se não tem mais esse alimento, os bichos que viviam ali, desaparecem. É uma cascata. Quando o ambiente é alterado e há ausência da fauna (como a ausência do Marmeleiro Jurema, criando sombra e matéria orgânica), não se faz permitir que as plantas voltem, porque a natureza é interligada.
Na caatinga, temos muitas espécies frutíferas, nativas, que dá pra utilizar economicamente. Como o trapiá, uma fruta grande, uma polpa branca, produz em grande quantidade, mas que é pouco aproveitada. A gente não vê um sorvete e suco trapiá. Tudo isso é questão de ter incentivo, e claro, para plantar! Essa, é uma planta que nasce na beira do rio, e que está quase extinta. Como também, tem o coquinho da Carnaubeira, que não é tão utilizado. Tem muitas frutinhas que dá pra gente aproveitar que são nativas da caatinga. Porque presencialmente, pouco se usa elas. Tipo as espécies diferentes de cactos, de Gogoias, Mandacaru, Xique Xique, que dariam pra fazer algum tipo de beneficiamento. Como por exemplo um sorvete de Pitaya, um cacto exotico, que é bem parecido, usado por todas as sorveterias aqui, mas não é nativo. Ou açaí, do Norte, que também é bem rentável."
O povo e o acolher da biologia
"Assim, eu consigo enxergar a valorização do meu trabalho, quando as pessoas olham para um xique xique, para um cacto, e não enxergam isso apenas como um pedaço de madeira, lenha. Mas sim como forma de um ser vivo, ter a consciência de que as plantas estão vivas e sentem as coisas. Sabe, por parte da família e das pessoas daqui de Ouro branco, sempre estão em comentários positivos, que acham minhas fotos bonitas... Isso torna muito gratificante.
Porém, sinto falta de um curso de Biologia no Seridó. Quando vim realizar meu trabalho de TCC em Ouro Branco, senti a escassez de estudos que se tinha sobre a caatinga do Seridó, que é muito única. Para além da caatinga ser um bioma único no mundo, temos muitas biodiversidade. A região do sertão, em que vivemos, é única nesse bioma."
Se é do Seridó
"O conselho que eu dou para quem já é daqui, primeiramente, é que vá com calma. O pessoal é muito acostumado a ir para um ponto específico. Tipo: ir a trilha do Sítio Mirador em Parelhas (RN), local que tem pinturas rupestres. não é só chegar lá e ir andando e sem olhar para o lado, até subir.
Então, vá com um pouco mais de calma, para apreciar quem a Caatinga é. Escute os sons, sinta os cheiros, e reflita sobre o conhecimento a fundo, do solo, das plantas, as que tem pelas rochas e que não tem lá embaixo. Dessa cultura que é essa diversidade, o mais rico que a gente possui."
Se quiser vir ao Seridó
"Para quem é de fora, aconselho vir com o coração mais aberto, para abraçar o que é novo para si. Venha, veja e enxergue com carinho, uma forma poética, como a vegetação interage com a cultura, com os povos que vivem e sempre viveram aqui. A caatinga tem muito espinho, mas não é somente isso."
תגובות