Há cerca de 30 anos, no sítio Junco de Cima, comunidade rural de Messias Targino, Pelópidas Almeida, ou seu Lopim, como é conhecido na cidade, e sua companheira Zilmar Pereira, começavam o desafio na apicultura, com a criação de abelhas com ferrão
Criação de abelhas é uma alternativa de renda e contribui para preservação do meio ambiente (Credito: Divulgação Jornal de Fato)
Por Ceiça Guilherme
No sertão nordestino, em meio a todos os desafios que a caatinga provoca, a agricultura familiar é uma das principais atividades dos pequenos agricultores. E nesse segmento, uma das que tem se destacado como fonte alternativa de renda para as famílias do campo é a apicultura, que entre tantas vantagens, incluindo a sustentabilidade e diversificação agrícola, permite que os criadores de abelhas possam desenvolver outros tipos de trabalho, tendo em vista que o manejo ocorre de forma periódica.
Há cerca de 30 anos, no sítio Junco de Cima, comunidade rural de Messias Targino, Pelópidas Almeida, ou seu Lopim, como é conhecido na cidade, e sua companheira Zilmar Pereira, começavam o desafio na apicultura – com a criação de abelhas com ferrão. Em condições menos favoráveis como as que dispõe hoje, tanto no manejo, passando pela falta de segurança, quanto na própria comercialização do produto, foram eles que deram os primeiros passos na produção de mel de abelha na comunidade. Na época, com uma produção voltada apenas para consumo próprio e com poucas perspectivas de crescimento econômico.
Mesmo com os desafios do início do processo de criação de abelhas, e inseridos dentro de um cenário que não favorecia a exploração da atividade, a persistência do casal, Lopim e Zilmar, fez nascer a que hoje é a casa do mel, uma das principais fornecedoras de mel de abelha no mercado local, e não só em Messias Targino, o produto já é demandado por várias cidades do Rio Grande do Norte. A produção de mel que sai do sítio Junco de Cima representa anos de persistência e capacidade de se reinventar na área da apicultura. Hoje a casa do mel tem como fruto principal a marca “Mel de Abelha Flores do Sertão”, que já mostra sua cara nas prateleiras da Bodega Agroecológica da cidade e nas principais feiras expositoras do Rio Grande do Norte.
Para Lopim, a expansão se deu desde a inauguração da Casa em 2006, um sonho concretizado por meio de um projeto do Serviço de Apoio aos Projetos Alternativos Comunitários (SEAPAC). “Fico muito feliz de ter conseguido chegar até aqui com esse projeto, e mais feliz ainda por poder dar como nome da casa do mel, o nome do meu pai: Pelópidas Francisco Pinto”, conta.
Gigriola Lima no trabalho da colheita do mel. (Foto: Divulgação Jornal de Fato)
RESSIGNIFICANDO A APICULTURA
Hoje, à frente das atividades o seu filho Pedro César e sua companheira Gigriola Lima, a produção de mel vem ganhando um novo significado, tanto quanto a forma de empreender na atividade quanto na valorização dela, afinal, estamos falando de um tipo de produção apícola que se realiza de maneira sustentável. Pedro, é educador físico, poeta cordelista e técnico agrícola, Ele compara a forma de manejo atual com a do tempo em que seu pai utilizava, levando em conta que os desafios eram maiores e o acesso às políticas de incentivo eram quase inexistentes. “Na época em que meu pai começou, não havia tanta preocupação com o uso dos EPIs de segurança, por exemplo, e a forma de manejo acontecia de maneira precarizada. Além disso, não tínhamos as possibilidades de inovação e apoio das quais dispomos hoje. Somado a isso, era uma época em que não se produzia tanto para comercialização e nem havia grandes expectativas em torno da apicultura”, destaca.
Assim como quase toda atividade que é desenvolvida no campo, a apicultura também atravessa seus desafios. Ser apicultor numa região que sofre com período de estiagem requer persistência e capacidade de inovar. Segundo Pedro, “o desafio maior é manter os enxames durante a estiagem, pois entre setembro e dezembro é um período de escassez de flores. “Para nossa produção isso foi um problema durante muito tempo, mas através de uma consultoria do Sebrae recebemos orientações sobre as práticas corretas no manejo alimentar da apicultura. Hoje, a gente trabalha uma alimentação que conceituamos de “bife” proteico, uma alternativa que vem dando certo na nossa produção e na preservação da vida das abelhas”, declara.
A produção do mel de abelha é um benefício econômico e social, considerando que a apicultura além de fortalecer a renda familiar, fornece um produto saudável e de qualidade para o consumo. Existe ainda a preocupação dos apicultores em preservar o meio ambiente e as plantas nativas. Fora isso, é cientificamente comprovado que as abelhas além de produzir o mel, são as responsáveis pela polinização de grande parte dos alimentos que chegam às nossas mesas.
Como poetiza o próprio Pedro:
“Além de fazer o mel
Faz a polinização
Produz cera, produz própolis
Pra nossa alimentação
Nossa abelha italiana
Esse tipo tem ferrão”
Ainda sobre a sustentabilidade, ele destaca a reutilização da cera (a cera bruta de abelhas é coletada durante a retirada dos favos). Uma prática que vem ganhando adesão na atividade devido aos inúmeros benefícios, especialmente por eliminar os resíduos da cadeia produtiva o que torna o trabalho ambientalmente sustentável. Para o apicultor, a opção do reuso da cera tornou-se, também, mais vantajoso economicamente, já que não é mais necessário comprar a cera a terceiros, um negócio que somava prejuízo ambiental e financeiro. “A gente traz a cera para casa, derrete, conserva e usa no período de produção. Nós dispomos de todo o material que transforma a cera bruta na cera alveolada. Isso significa que não precisamos comprar a cera e, além de trabalhar de forma sustentável, ainda conseguimos economizar na produção”, explicou.
Durante as visitas, uma parada para roda de conversa e recitação de poesia. (Foto: Divulgação Jornal de Fato)
MÉDIA DE PRODUÇÃO, CAPACITAÇÃO E PARCERIAS
Da comunidade Junco de Cima para a mesa do consumidor. Atualmente a produção gira em torno de quatrocentos kg de mel por período de colheita, com uma média de trinta colmeias. O produto é armazenado em diferentes embalagens, como potes de vidros, garrafas, sachês, para que o consumidor possa escolher a que melhor se adequa a sua rotina de uso diário. Gigriola Lima, pedagoga, que divide as funções de educadora com o artesanato e o trabalho na apicultura, disse que a liberação das vendas do mel foi possível através da ponte entre o Sebrae no Rio Grande do Norte e o Instituto de Defesa e Inspeção Agropecuária do estado (Idiarn). “A partir daí, conquistamos o selo para transporte, distribuição e comercialização do mel”, frisa.
Sendo uma das organizadoras das atividades que envolvem a casa do mel, inclusive no trabalho prático da colheita, ela destaca que a empresa vem recebendo consultorias do Sebrae, tanto através de orientações diretas, com visitas dos consultores, quanto na participação de cursos e palestras no segmento do empreendedorismo. Entre esses eventos, ela destaca o “Transforme” promovido pelo Sebrae. “As consultorias e eventos que já participamos tem sido um divisor de águas na trajetória da empresa Mel de Abelha Flores do Sertão, pois às vezes a gente dispõe da ideia, mas precisamos de orientações sobre como conduzir melhor essas ideias e obter os resultados que desejamos”, considera.
CASA DO MEL COMO UMA DAS POTENCIALIDADES TURÍSTICAS
No início de 2024, a Prefeitura de Messias Targino ganhou o prêmio Prefeitura Empreendedora, em duas categorias: “Cidade Empreendedora” e "Turismo Identidade e Território”. A premiação do Sebrae foi destinada às gestões municipais que se destacaram no fomento ao desenvolvimento dos pequenos negócios no estado. A parceria entre o Sebrae e a Prefeitura de Messias Targino, resultou no trabalho de consultoria oferecido pela entidade para os empreendimentos e potencialidades turísticas da cidade.
Julliane Michelle Freire, economista e consultora do Sebrae, da equipe de consultores da entidade, explica que foi convidada para atuar no eixo turismo “Cidade Empreendedora”, em Messias Targino. Durante o processo, ao avaliarem o que havia de potencialidades na cidade, identificaram a casa do mel entre essas principais potências. Após visita ao espaço, passou-se a trabalhar a ideia de uma experiência turística tendo o mel como protagonismo.
“A ideia era o mel como plano de fundo, mas não só como exclusividade, não só sobre mel, então, como Pedro é cordelista, pensamos na possibilidade de trazer a literatura do cordel para dentro da experiência e juntar com mel”, explica.
O trajeto até a casa do mel conta com muitos pés de juazeiro, árvore que na visão da consultora tem representação simbólica para a região, e essa foi a inspiração para que fosse criada uma roda de conversa e recitação de poesia debaixo do juazeiro durante as visitas. A segunda ideia foi a visitação da casa e incrementar atrativos para os visitantes, oferecendo além do mel como degustação, comidas associadas à cultura, como doces caseiros, bolo, “orelha de pau”, café, e produtos artesanais que são produzidos pelas artesãs da cidade. “Sugerimos ideias simples, de baixo custo, para que não houvesse dificuldade em executá-las”, frisa.
E foi a junção de todas essas ideias que surgiu o projeto “Café, Mel e Poesia”, que tornou a casa do mel um dos pontos turísticos da cidade. O espaço hoje é aberto para visitação e funciona mediante agendamento, com grupos a partir de 10 pessoas. As experiências de poesia debaixo do juazeiro, visita a casa e recepção com uma variedade de comidas e produtos artesanais estão sendo concretizadas e vem tendo bons resultados.
Gigriola, responsável pelo agendamento das visitas, comemora a recepção do projeto. A casa tem recebido a visita de estudantes das escolas locais das mais diversas idades e grupos turísticos de cidades vizinhas. Para as crianças, principalmente por se tratar de uma atividade que gera curiosidade, pode-se considerar um passeio pedagógico e que tem despertado o interesse das escolas.
“A parceria do Sebrae tem sido fundamental para a casa do mel. As oficinas contribuíram de forma significativa no desenvolvimento das ações de marketing, utilização das nossas mídias sociais e a estruturar o nosso negócio dentro da formalidade, inclusive, na própria criação do CNPJ. Ressaltando o programa Cidade Empreendedora, que viu a casa do mel como uma potencialidade turística e hoje somos parte da rota turística da cidade. Nos últimos meses recebemos turistas de várias cidades e Estados. A Sala do Empreendedor também nos deu um suporte significativo, especialmente no que diz respeito à qualidade no atendimento aos nossos clientes”, diz.
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