Produtividade agropecuária local é historicamente menor que a dos demais biomas do país, conforme estudo da CPI/PUC-Rio

Por Rafael Walendorff — Brasília
Para Globo Rural
Estudo inédito do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) aponta que os agricultores familiares da Caatinga são os mais vulneráveis ao risco climático. A produtividade agropecuária local, historicamente menor que a dos demais biomas do país, é mais sensível e ainda mais afetada quando o nível de seca aumenta na comparação com outras regiões.
O impacto do clima agrava também a situação de vulnerabilidade social e econômica dos moradores do Semiárido, aponta o documento antecipado à Globo Rural. O diretor-executivo do CPI/PUC-Rio, Juliano Assunção, diz que os resultados do estudo alertam para a necessidade de políticas públicas de convivência e a adaptação às mudanças climáticas no Nordeste brasileiro.
A Caatinga abriga 36% das propriedades rurais brasileiras e 44% da sua população trabalha no setor agropecuário. O volume de chuvas é 39% menor em relação ao restante do país e 12,8% do território do Semiárido está em processo de desertificação em curso.

Os pesquisadores analisaram dados da produção agropecuária nos últimos 30 anos e consideraram as principais culturas da Caatinga. A primeira análise mostrou que, na contramão do que ocorreu nos demais biomas do país, não houve tendência de aumento na produtividade do feijão e do milho na região desde 1989. Na pecuária, houve ainda uma queda do rendimento de animais por hectare.
O estudo também levou em consideração o índice de aridez, que mede a capacidade de retenção de água da chuva no solo e a evaporação, e sua variação para calcular o impacto das estiagens na produção agropecuária ao longo dos anos. A conclusão foi que a Caatinga é mais sensível aos “choques climáticos” do que os demais biomas e que os produtores dali enfrentam processos de seca não apenas com maior frequência, mas também com maior intensidade.
As duas principais culturas agrícolas do bioma, feijão e milho, tiveram quedas de produtividade mais intensas, de 16% e 35%, respectivamente, do que a média das outras regiões do país, 6% e 16%, quando ocorrem episódios mais severos de seca. Já a pecuária teve queda de 9% de rendimento no semiárido nordestino ante um incremento de 1% nos demais biomas.
“É uma produtividade que já é baixa, muito menor que das demais regiões, e que tem uma queda ainda maior em função da seca. Estamos falando de uma região que tem vulnerabilidade socioeconômica e exposição maior à vulnerabilidade do clima”, diz Assunção.
Nos municípios da Caatinga onde a agricultura familiar ocupa mais de 90% da área rural, o impacto do “choque climático”, representado pela variação padrão no índice de aridez do bioma, é ainda maior.
O estudo verificou que nesses municípios a queda de produtividade nos eventos de seca é de 15% para o feijão, 32% para o milho e 12% para a pecuária. Nos municípios com menos de 10% da área rural ocupada por agricultores familiares, a perda de rendimento é de 8%, 19% e 3%, respectivamente. Os resultados indicam que os produtores de menor porte têm menos instrumentos de adaptação ao clima disponíveis, diz o CPI/PUC-Rio.
Para Assunção, os números reforçam a necessidade de focar atenção na agenda de adaptação às mudanças climáticas. Segundo ele, o tema tem sido “negligenciado” ante a atenção dada às discussões sobre mitigação e redução de emissão de gases do efeito estufa.
“O drama é que todo mundo se importa com a agenda de mitigação, com o desmatamento da Amazônia, porque, de fato, isso vai afetar o mundo inteiro. Já na agenda de adaptação da Caatinga quem vai ser impactado são as pessoas que ali estão, quem efetivamente está exposto ao problema são os moradores locais, que não conseguem se organizar para ter a voz que merecem”, destaca.
“Tem que se pensar em uma transição justa. Se a solução for esvaziar a Caatinga, precisamos que a política pública prepare esse processo. Se isso acontecer de maneira espontânea, vai gerar muito sofrimento. É um arcabouço de políticas públicas que precisa ser repensado”, afirma.
Impacto escolar
O estudo do CPI/PUC-Rio também fez a correlação entre o aumento da seca e os níveis mais altos de pobreza nos municípios da Caatinga.
Segundo o levantamento, os maiores índices de aridez estão associados à menor renda per capita, à maior desigualdade de renda e à maior proporção de pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Nas regiões mais afetadas pela seca, os índices de desocupação, de mortalidade infantil e de atraso escolar também são maiores. “Uma variação no índice de aridez na Caatinga gera muito mais dano do ponto de vista corrente, da produção agropecuária, e também para o futuro. Os indicadores sociais são muito dependentes desse índice de aridez”, afirma o diretor do CPI/PUC-Rio, Juliano Assunção.
O relatório diz que há correlação entre choques de aridez e taxas de atraso escolar, com níveis maiores de seca relacionados a maiores taxas de atraso escolar para o ensino fundamental. O aumento de uma unidade no índice de aridez está relacionado a um aumento de 19% na taxa de atraso escolar, diz o estudo, efeito ainda maior que o crescimento de 10% identificado na taxa de mortalidade infantil na mesma situação.
Segundo o especialista, trata-se de uma área que, do ponto de vista social, é muito sensível. Alguns indicadores medem a fragilidade atual e outros apontam para a fragilidade futura, como é o caso da educação.
“O atraso escolar aumenta de maneira relevante à medida que aumenta a aridez, e isso mostra que, de fato, está comprometendo gerações futuras”, diz Assunção.
“A vulnerabilidade social precisa ser incorporada no desenho de políticas públicas para esses produtores. Aumentar a resiliência dos produtores é central para alcançar uma agropecuária sustentável e fazer com que as secas afetem menos a produtividade, como já acontece nos demais biomas”, acrescenta a pesquisadora Amanda de Albuquerque.
Comments